Durante o carnaval não postarei. Eu sei, eu sei, dói, mas é importante que vocês tentem conter o pranto. É que realmente os festejos momescos pedem um ócio pleno ao qual me entregarei prontamente. Sendo assim, colocarei aqui um dos contos do meu livro “Incultos” e voltarei a postar na quinta, dia 7 de fevereiro.
Sortes
A vida sempre tinha sido irônica com o Vieirinha. Se passava de ano direto em todas as matérias, pegava catapora e ficava metade das férias de molho. Se a menina pela qual era apaixonado enfim dava bola, no dia seguinte surgia uma bela herpes no canto da boca.
Ficou mais velho e a sina continuo a mesma, muita sorte, mas talvez na hora errada: passava no vestibular e a faculdade entrava em greve, resolvia viajar para o nordeste e ainda na estrada recebia a notícia que as aulas voltariam. Teve aquela vez, por exemplo, em que o Vieirinha ganhou um carro numa rifa qualquer e, todo satisfeito, chegou ao trabalho apenas para descobrir que havia sido demitido. Pouco tempo depois, estava vendendo o carro para pagar as dívidas.
Não era um cara infeliz, sabia levar com bom humor e paciência estes caminhos tortuosos de sortes e azares. Os amigos do Vieirinha divertiam-se com seus casos, mas era só ele virar as costas que a palavra “coitado” surgia em todas as bocas.
Até que um dia o Vieirinha conheceu a Salete. Foi numa festa de trabalho. Ela tinha ido com uma amiga e se encantou com o jeito meio atrapalhado do rapaz. Ficaram juntos e na volta para casa, só para compensar, o pneu furou e ele teve que empurrar o carro por toda a Afonso Pena.
Mas o azar foi pouco perto da mudança que a Salete trouxe para a vida do Vieirinha. Era um novo homem, mais confiante, mais alegre, até mesmo mais produtivo no trabalho. Estava apaixonado da mais perigosa maneira, como um boxeador apoiado nas cordas enquanto era bombardeado pelos carinhos da Salete, bem próximo de um nocaute.
Algum tempo depois, ao pagar uma conta numa casa lotérica, o Vieirinha pegou de troco um jogo na MegaSena. Números aleatórios, só para não carregar moedas. Colocou no bolso displicentemente e só foi lembrar do bilhete 2 ou 3 dias depois do resultado do sorteio. O comentário era que o ganhador vivia em Belo Horizonte e não havia buscado o prêmio ainda. Por desencargo de consciência resolveu conferir os números.
Ainda descrente, percebeu que os 4 primeiros números coincidiam. Ressabiado conferiu o quinto e batata! Estava ali, faltava apenas um para tornar-se um milionário. Nesse momento, o rosto da Salete cruzou-lhe a mente. Vieirinha tremeu. Sabia como funcionava sua sorte, com as dolorosas compensações de cada êxito, merecido ou não. Ganhar aquele prêmio poderia custar-lhe a Salete ou sabe-se lá o que mais.
Vieirinha então balançou a cabeça fingindo um misto de desapontamento e resignação, rasgou o bilhete e lamentou-se para os poucos apostadores presentes “é, passou longe”.
O prêmio acumulado nunca foi retirado e o Vieirinha volta e meia comenta que sorte mesmo é ter uma mulher como a Salete em casa.
Direto na têmpora: Suco de tangerina – Beastie Boys
8 comentários:
Você também tem todo o direito de usufruir de um gostoso descanso. Aproveite bastante com Fernanda e Sophia
Gostei muito deste conto
Pois é, ndms, descansem vocês aí também.
Boas férias momescas... Só para lembrar, estou com nova postagem no "Casos" da propaganda.
Sim, sim, já li, Don Oliva, recomendo a todos que confiram também.
Genial esse conto, a ponto de dar vontade de bater um bom papo com esse Vieirinha, um apaixonado pela vida. A grande maioria perderia a Salete.
Verdade, Rubéola, mas acho que o Vieirinha é como eu: se perder a que arrumou, passa o resto da vida sozinho.
Redatozim, meu irmão... Tive que ler o post abaixo (o do Onetti) umas 3 vezes para entender. E confesso que ainda não entendi. Você estava sendo irônico, ou realmente achou aquilo "sensacional"? Porque, Redatozim, você ler uma merrrrrda daquelas e querer parar de escrever, eu vou te contar procê, não dá para entender. Esse seu conto do Vieirinha eu já conhecia, claro, mas reli com o mesmo prazer. Sensacional.
Ironia nenhuma, Gasta, realmente muito bacana o texto do cara. O que faltou foi habildiade minha para transcrevê-lo. Vai por mim, o caboclo é bão. Ah, valeu o elogio.
Postar um comentário