quinta-feira, setembro 30, 2010

Deixando um rastro

A gente quer ter filhos pra deixar um rastro. Quer fazer um blog pra deixar um rastro. Quer plantar uma árvore, escrever um livro e fazer uma revolução não pelo hoje, mas pelo amanhã.

Não ser notado é o pior castigo e ninguém quer ser esquecido. Queremos ser eternos para ser amados sem-fim, através do tempo, por algum outro que nem nos conheceu.

Todo homem quer deixar seu rastro. E às vezes até se perde por isso.




Direto na têmpora: Lullaby haze - Mates of State

quarta-feira, setembro 29, 2010

Relógio

Está morto mais um dia e com ele jazem umas poucas esperanças e outros tantos afazeres. Morto mais um dia (e assim já é menos um) que não ressucitará jamais, seu peso inútil perdido para sempre em alguma dobra do espaço.

Nessa tragédia anunciada só há vítimas e nenhum algoz. Fomos nós que perdemos a chance, fomos nós que deixamos passar, fomos nós que escolhemos o caminho que ia dar no muro.

Está morto mais um dia. E que não morra com ele o melhor e o resto de nós que ainda escapou ao último.




Direto na têmpora: Wash the day - TV On The Radio

terça-feira, setembro 28, 2010

A chuva e os cavaletes

Chove em Belo Horizonte e seja bem-vinda a chuva que desmancha os cavaletes que invadem canteiros e enchem nossos olhos de feiúra e promessas falsas.

Fica ali, aquele papel encharcado, aquela papa de uma personalidade inventada escorrendo pela sarjeta.

O elefante tosco ensopado, o plástico desmelinguido, mais uma campanha que passa, os mesmos 30% de "renovação". Os mesmos interesses com novas caras ou não.

E eu nem deveria escrever isso, porque eu trabalho com marketing político também e sei que existe gente boa e séria por aí, fazendo a coisa direito e convencendo pelo trabalhos, mas cavalete é foda, meu irmão. Todo esse lixo colorido que nos entope as ruas sem mostrar uma proposta, sem contar uma história, só sujando e massacrando para ver se convence alguém na base da pressão.

E contando com a ignorância de muitos, elegem-se alguns. Mas isso a chuva não lava.




Direto na têmpora: Vampire - Sebadoh

segunda-feira, setembro 27, 2010

Minutos de Sophia

Lá vai ela imitando cachorro, disciplinando a boneca e dizendo que aquela música que eu amo deveria chamar música das estrelinhas.

Lá vai ela armando um namoro entre a Kaa e o Randolph, imitando a Rainha da Noite e querendo ser a princesa minhoca na Festa da Primavera.

Lá vai ela me ensinando a diferença entre maçã e berinjela, explicando quem brinca e quem não brinca com ela, descobrindo os fuscas na rua.

Lá vai ela querendo que eu traduza Zooey, chamando Tom Waits de "Finkle", querendo juntar moedinhas para visitar Nova Iorque.

Lá vai ela rindo o seu riso, sonhando o seu mundo, fazendo o seu jeito e achando que o nome da vaca do desenho é Tussa.

Lá vai ela me sophiando o dia e lá vou eu atrás, correndo como menino.




Direto na têmpora: Time to take out the trash - Brad Sucks

Medos complexos

Sei lá porque, um dia desses comecei a cantar a música da Kaa (veja Mogli, o Menino Lobo) e Sophia ficou simplesmente irada.

- Venha a mim... e só a mim...

- Para, papai! Eu tinha medo da Kaa porque ela olhava pro Mogli e aí o olho dela rodava assim e aí eu parei de ter medo e aí você fica cantando a música dela e aí eu vou ter medo de novo e a culpa vai ser sua!

- Filha, mas não precisa ter med...

- A culpa vai ser sua, pai!


Achei melhor ficar quieto. Deixa a menina com os medos dela, né não?








Direto na têmpora: Don't go quietly - The Society of Poor Academics

sexta-feira, setembro 24, 2010

Fechando a semana

Como hoje não tive inspiração para post, vai aí uma animaçãozinha duca pra vocês. Inté.








Direto na têmpora: I got an ape drape - Vandals

quinta-feira, setembro 23, 2010

Bichinho bonitinho

- Tem um bicho no meu cabelo! Tira! Tira! – gritava a menina todinha vermelha.


A mãe levantou-se e, soltando um suspiro resignado, foi ver de perto o motivo do escândalo.


- É só um bichinho, Mariana.

- Credo! Credo! Credo! Como é que ele é? É nojento?

- Não... sabia que ele até bonitinho?



E Mariana, tapando o rosto para não ver.


- Quê!? Bonitinho!?

- Bonitinho, sim. Ele é pequenininho, vermelhinho e tem umas manchinhas roxo-azuladas.

- Roxo-azuladas?

- É, um azul quase roxo, sabe?

- Ele é molengo?

- Não, mas também não é cascudo igual a besouro.



A menina tira as mãos do olhos e espia o inseto.


- Você vai fazer o que com ele?

- Não sei, Mariana, vou jogar fora, matar, sei lá.

- Mata não, mãe! Peraí, deixa eu ver ele aqui na minha mão.



Ela então vira a cabecinha, olha o bichinho e pede:


- Mãe, põe ele de novo no meu cabelo, por favor?





Direto na têmpora: Rudie can't fail - The Clash

15a SECOM, Calco, Furb. Que diabos é isso, afinal?

Fui parar em Blumenau no meio de um evento feito por uns estudantes que eu vou te contar uma história.

15a SECOM é, como o próprio nome diz, a décima quinta semana da Comunicação da Furb, que vem a ser Universidade de Blumenau, e é organizada pelo Calco - Centro Acadêmico Livre da Comunicação.

Antes de mais nada, é de dar gosto ver o esforço da molecada pra fazer tudo funcionar e ficar perfeito. Chamaram caras da Bullet, chamaram caras da Santa Clara e tirando o erro meio básico de convidar a mim, montaram um elenco de respeito pra falar com os estudantes.

Estadia, transporte (aliás, a Azul é a partir de hoje minha companhia aérea favorita), alimentação, tudo feito com um carinho danado e com uma agilidade que fez os caras superarem todos os muitos imprevistos que apareceram.

Falei sobre o novo cenário para os publicitários e mesmo com problemas na apresentação (não no equipamento deles, mas no meu) contei com a paciência e com o respeito das dezenas de alunos que foram assistir.

Saí de lá cansado, porque o batente foi bruto, mas feliz demais por ter participado. Foi uma aula sobre vontade, sobre organização, sobre comprometimento e que deveria servir de benchmark pra estudantes que estão pensando em montar qualquer evento.

A galera do Calco e o pasteleiro.
Peço desculpas aos blumenauers pelas falhas e prometo que se algum dia cometerem a temeridade de me chamar novamente, vou cuidar mais para fazer algo melhor.




Direto na têmpora: We feel safer at night - Takka Takka

quarta-feira, setembro 22, 2010

Amor ao time

Estava ontem assistindo no noticiário ao Governador (ex-governador?) do Amapá se lamuriando pelas acusações "injustas" que vem sofrendo, quando de repente o marmanjo começa a chorar e perguntar "Deus, por que comigo?".

De repente, ouço a vozinha da Sophia:

- É que o time dele perdeu, né?

Ah, os 4 anos, quando escândalos políticos não querem dizer nada e as pequenas coisas ainda são tão importantes.




Direto na têmpora: The hardest part - Blondie

terça-feira, setembro 21, 2010

Abismo digital

Não é novidade dizer que o grande desafio para uma sociedade mais "igual" é combater o abismo que separa digitalizados e analógicos. O fim dessa barreira determina o surgimento de oportunidades, a abertura de caminhos, pontes para a execução de planos e muito mais.

Para mim, um dos melhores filmes sobre o assunto não é exatamente novo, mas é profundamente impactante, especialmente se levarmos em conta a realidade brasileira. Não é à toa que eu o utilizo com frequência em minhas apresentações (mas não vai rolar em Blumenau).

Quem tiver um tempinho não pode deixar de assistir a esse puta exemplo de ação social que vem da Índia e que deveria ser replicado ou adaptado em qualquer país em desenvolvimento.








Direto na têmpora: So here we are - Bloc Party

segunda-feira, setembro 20, 2010

Aquela nuvenzinha

Buscando a mãe, completamente ensopado

Corria o menino com uma angústia sem fim

E apontando pro céu gritou inconformado

"Mamãe, aquela nuvem fez xixi em mim."




Direto na têmpora: Moving in place - Soda Pop Social

Livros + brinquedos = \o/

O Dia das Crianças está chegando e, conforme prometido, temos promoção aqui no Pastelzinho.

Como alguns de vocês já sabem eu faço contribuições em datas especiais e com a ajuda dos leitores a uma creche na favela do Santa Lúcia. Dessa vez não vai ser diferente. Estou vendendo meus livros Todas as Estrelas do Mundo e Estranhas Histórias por 50% do preço + um brinquedo. Você dá um livrinho bacana de presente para o seu filho, sobrinho, afilhado, enteado ou qualquer criança de que goste e ainda ajuda os pequenos mais carentes.

Resumindo, cada livro sai a 15 reais mais um brinquedo. Pode ser brinquedo de R$ 1,99; brinquedo usado; brinquedo novinho e caro. Você escolhe. Só não vale brinquedo estragado, ok?

Então é isso. A promoção vale até o dia 11 de outubro e para a galera de Blumenau que quiser participar, vale até o dia 22, quando estarei por lá.

Divulguem e participem!




Direto na têmpora: Hey Baby - Ringo Starr

sexta-feira, setembro 17, 2010

Ser gordo é...

Em cinco frases, ser gordo é:


- Sofrer muito quando pede uma salada no restaurante.

- Escolher calças pelo número e não pelo modelo.

- Ser chamado de "forte" e fingir que acredita.

- Ter que revezar o lado em que senta pra não estragar o sofá.

- Virar ponto de referência, tipo " fica na segunda porta depois do gordo".





Direto na têmpora: My pathetic friend - Noise Addict

quinta-feira, setembro 16, 2010

O Arco-íris

- Por que a gente só pode nascer onde tem água? Não gosto disso, não.

E lá se foi o arco-íris pequenininho, resolvido a aparecer onde quisesse.

Apareceu na camisa preta do rapaz e fez a menina que passou olhando sorrir.

Surgiu na retina do velho marido e fez a esposa acreditar de novo no amor.

Brotou na parede do velho prédio cinzento e fez a cidade respirar.

E pulando daqui pra lá, feliz por não ter lugar, levou sete cores aonde houvesse vontade de ver algo novo chegar.

Arco-íris de tudo e de todos, sem precisar de chuva, sem carecer de sol, só arco-íris para iluminar.




Direto na têmpora:

quarta-feira, setembro 15, 2010

A melancia

A melancia redonda, bem grande e pesada

Em cima da árvore não pode ficar

Se ela cai, machuca alguém com a pancada

E uma grande tragédia poderia causar



Por isso ela fica pertinho do chão

Onde não pode fazer mal a ninguém

Mas acho que Deus teve uma distração

Por que não fez isso com a jaca também?




Direto na têmpora: The underdog - Spoon

terça-feira, setembro 14, 2010

Meu pai me queimava com foundphotos aceso


Amar é... ajeitar a dentadura do noivo durante a festa de casamento.




"Uma Suruba muito louca!". Três operários, duas prostitutas e muita confusão hoje na Sessão da Tarde.




As primeiras atrizes a interpretar as gêmeas Ruth e Raquel da peça Mulheres de Areia fotografadas antes da premiére em Paris. O ator que fazia o papel de Tonho da Lua enfrentava uma severa diarreia no momento do clique.




Direto na têmpora: Prime number - The Total Drop

Estudantes

No próximo dia 22 estarei em Blumenau para conversar com os alunos de Comunicação da FURB na 15a Semana da Comunicação promovida pelos caras.

Além de aproveitar para escutar outros profissionais bem mais gabaritados do que eu, o evento me parece a oportunidade perfeita para que os estudantes tenham contato com visões diferentes e entrem no mercado com um senso um pouco maior de realidade.

Quando estudei na UFMG, bem no auge da última glaciação, tentava aproveitar toda e qualquer oportunidade como esta. Bom, é verdade que nem sempre dava pra ir, mas todas as vezes que tínhamos a chance de conviver com profissionais bacanas a sensação era de "putz, até que enfim".

Hoje, participar de eventos assim ficou mais difícil, mas semana passada consegui ir a um painel ABAP bem legal com Shari Novick e Tim Parsley. Mesmo perdendo os palestrantes da tarde, valeu muito. Fora isso, sempre que posso vou aos eventos InterMinas e ao Grupo de Estudos da TOM.

Agora, BH está recebendo uma puta oportunidade. Dia 16 vamos ter Alex West (Mother), Matthew Smith (The Viral Factory) e Jeremy Faludi (Universidade de Stanford) no Projeto Brains. Estou fazendo de um tudo para ir, mas ainda não consegui confirmar.

Se você puder, seja estudante ou profissional, por favor, não perca. É chance rara e que vai fazer muito bem para quem participar.




Direto na têmpora: I told a lie - Flop

segunda-feira, setembro 13, 2010

15 álbuns

Recebi do meu amigo Raphael Crespo um "joguinho" de facebook em que você escolhe, em 15 minutos, 15 álbuns que você acha fodaços e depois envolve 15 amigos na brincadeira (corrente, eu sei).

Fiz o esquema sem pensar, gostaria de mudar alguns, mas o resultado saiu até bom. Claro que tem ausências sentidas como The Cure, The Smiths e tantos outros, mas foi o que rolou assim, de chofre.

De qualquer forma, divido com vocês o resultado (sem ordem de importância) e convido quem quiser a participar.


Nevermind - Nirvana (ouvi e descobri que estava nos anos 90)

The Dark Side of the Moon - Pink Floyd (clássico em cima de clássico)

Piece of Mind - Iron Maiden
(minha porta de entrada para o heavy metal)

Ok Computer - Radiohead (para mim, ainda o melhor álbum dos caras)

Secos & Molhados - Secos & Molhados (um álbum com todas as faixas excelentes - TODAS)

Back in Black - AC/DC (alguns dos grandes riffs de todos os tempos em uma única pepita)

Os Mutantes - Mutantes (abriu minha cabeça pra um som muito diferente do que eu vinha ouvindo)

Sheer Heart Attack - Queen (o início da minha paixão pelos caras)

Fortress round my heart - Ida Maria (paixão nova, mas disco que me tirou do chão)

Making Movies - Dire Straits (Romeo and Juliet quase me fez furar o vinil)

Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band - The Beatles
(classiquíssimo com Mr Kite tocando na maior altura enquanto eu batia panelas pelo apê onde vivia sozinho)

Combustível para o fogo - Sexo Explícito (banda oitentista de BH que deixou sauidades)

Arise - Sepultura (melhor álbum dos caras, na minha opinião)

The Real Thing - Faith No More (outro que mudou o meu gosto para música na primeira audição)

Here today, tomorrow next week! - The Sugarcubes (A "banda da Björk" era sensacional)




Direto na têmpora: I'm now - Mudhoney

sexta-feira, setembro 10, 2010

Orestes*

O céu ali era de um azul acinzentado durante todo o dia. Não importava quanto o sol brilhasse, parecia sempre haver um filtro que bloqueava a luz e mudava as cores, deixando tudo num tom pastel, meio fosco, como se fosse a vida impressa em papel pardo. Ali o Orestes nasceu, sem nunca sair do ranchinho do seu avô (mãe morta no parto, pai morto por picada de jararaca).

Se acostumou com o frio da chuva no lombo enquanto carpia e com a brasa do meio-dia esquentando sua marmita pouca. Parecia que sua boca sempre só havia provado as sobras da roça de cará e o gosto-meio-sem-gosto de um naco mal cozido de carne de bode.

E foi em um dia igual a todos os outros que o Orestes juntou vista na Sensata. Foi um olhar longo e tristonho como quem vê o mar e descobre nele a perdição do infinito, não a beleza.

Sensata era a filha de um ex-seminarista, hoje boticário de situação um pouco melhor, que vivia ali perto de Ipaba onde o leite já chega de caminhão e não mais em lombo de burro.

Naquela noite o sono lhe custou horas de Salve-Rainha e deu-lhe a certeza de que Sensata era algo demasiado grande para um lugar como sua mente.

Nos próximos dias, pensou milhões de vezes em tomar o rumo da casa do ex-seminarista e fingir interesse na salvação de sua alma apenas para poupar o corpo do flagelo que era a distância de Sensata. Em suas orações já não rezava, mas pedia, implorava pelo fim daquele tormento fosse como fosse.

O avô percebia seu desassossego, pressentindo uma adolescência tardia naquels 27 anos que só haviam conhecido o amor de duas ou três cabritas desgarradas na estrada (com as do avô seria pecado). Orestes, calado de forma e feita, sumia-se agora de vez dentro de si, evitando as já raras conversas com o velho. Dentro do casebre de lama seca e pau-a-pique o silêncio era quase um terceiro morador.

Quando o avô morreu sem sintoma, gemido ou esboço de dor, Orestes fez como haviam feito com o pai, enterrando a carcaça sob um manto de poeira e pedregulhos a alguns passos do bambuzal. Não houve pranto, nem missa, apenas uma aceitação muda e um pedaço de futuro novo que se insinuava na sela sobre o lombo do burrico.

Não via mais função ali e, apesar de não conhecer caminho que fosse dar em algum lugar, teria o rosto de Sensata a lhe guiar. Selou o animal e partiu para cortar as poucas léguas que os separavam.

Já na curva que antecedia Ipaba ouviu o barulho de foguetes, gritos, risadas e toda uma sorte de sons que não eram os seus.

Suas vistas encontraram a torre da igrejinha; as folhas do alto das árvores; os primeiros contornos da praça; as pessoas em roupa de domingo (para Orestes não havia domingo, era função dele cuidar da terra enquanto o avô se ocupava do mundo); os sorrisos; Sensata toda de branco acompanhada de seu pai, flores na mão e outro homem a lhe segurar o braço.

Confusão em sua mente. Não era Sensata a fuga, o caminho, o prenúncio do Orestes que ele nunca fora?

Apeou ao largo da festa e caminhou em direção a Sensata ainda se inteirando daquele mosaico todo novo de cheiros e cores. Turbilhão.

Com o canivete ganho do pai abriu-lhe a garganta com os gestos mecânicos de quem matou todo um mundo de bodes. O noivo recebeu o golpe único no coração e a si próprio inflingiu um corte profundo na barriga.

Silêncio. Sem pranto, missa ou manto de poeria perto do bambuzal. A última vida que Orestes viveu terminou apenas com a sensação indistinta de ir-se.

E foi.



* Mais um texto do falecido Incultos.




Direto na têmpora: In a cave - Tokyo Police Club

quinta-feira, setembro 09, 2010

Traição

Segue aí um continho que saiu no meu falecido livro Incultos. Aliás, os três primeiros leitores de BH que comentarem esse post vão levar as últimas unidades do Incultos de presente.

Ah, antes que eu me esqueça, o título do texto é "Confiança".


Por pior que esteja o mundo, o homem ainda confia no homem de uma maneira incrivelmente cega. Se não fosse assim, de que outra forma alguém acreditaria que ao entrar naquele salão de barbeiro a pessoa segurando a navalha não o deceparia instantaneamente? Sobre o avião, então, uma aeronave comandada e vistoriada por completos desconhecidos, melhor nem falar.

É o mesmo tipo de confiança que o Seu Argemiro depositava em sua esposa. Cego desde pequeno, virava-se muito bem até que conheceu Dona Clóris. Em seus 35 anos de casados, Dona Clóris cuidou do Seu Argemiro como quem trata de um bebê: fazia sua comida (inclusive o lanche para o trabalho), escolhia suas roupas, barbeava, lia, escolhia as músicas para ouvir antes de dormir, enfim, vivia generosamente as duas vidas do casal, tudo suprindo e nada pedindo a não ser dependência absoluta.

Depois da aposentadoria, Seu Argemiro enfurnou-se cada vez mais na malha de cuidados que havia em casa. Tornou-se quase um móvel velho que precisa ser limpado diariamente, mas para quem ninguém olha duas vezes. A única exceção era o passeio matinal que fazia sozinho pelas ruas ainda tranquilas do Calafate e que preocupava secretamente Dona Clóris.

Em uma das muitas manhãs incrivelmente iguais que viveu, Seu Argemiro acordou sozinho, sem ser chamado pela esposa. Esperou a convocação para o banho, a muda de roupa para o dia, o café da manhã. Seguiu esperando o passeio, o almoço, a saída da empregada, a leitura do livro interrompida na noite anterior, o programa de rádio, o banho antes de dormir, o pijama, a janta.

Seu Argemiro se paralisou na espera. Havia atrofiado sua vontade nas mais de três décadas em que tornara-se fardo ao invés de gente. O medo lhe travara as pernas e não havia caminho já trilhado em sua escuridão. Imaginava apenas os motivos da demora sem pronunciar um som: a morte da esposa, a perda de um familiar, um assalto, um gigantesco engarrafamento, um evento imperdível.

Chegou a cogitar que a morte fosse assim, incrivelmente parecida com a vida, apenas um canto escuro para deixar-se imóvel e esperar algo que nunca vem. Entendeu-se então morto, e compreendeu a fome, as fezes e a urina quente que lheescorria pelas pernas como provações de quem aguarda no limbo até seguir seu caminho para o céu ou o inferno.

Na madrugada anterior, algumas horas antes do despertar solitário de Seu Argemiro, Dona Clóris olhou pela última vez a camisa manchada de batom que havia encontrado escondida na gaveta do marido.

Por vezes havia desconfiado dos passeios matutinos eventualmente longos e agora sentia entre os dedos a prova da ingratidão e do desprezo. Sem fazer cena demitiu a empregada e deixou casa com serenidade, sem nada mudar. Começaria vida nova longe dali, esqueceria os anos dedicados a Argemiro e seria com se nunca houvesse existido aquela traição.

O enterro de Seu Argemiro, alguns dias depois, foi simples. Dona Clóris não compareceu e poucos foram avisados. No enterro, a empregada se lamentava pela morte daquele ser tão pacífico. Sentia-se responsável por ter aceitado a demissão sumária, por não ter percebido alguma coisa, por não ter voltado à casa.

Culpava-se ainda mais pela omissão no trabalho. "Duas noites antes de eu ser demitida, peguei uma camisa do Seu Argemiro e emprestei pro Tonho sair comigo. Ficou suja de batom e eu escondi na gaveta bem lá no fundo pra Dona Clóris não ver. Nem deu tempo de lavar... tadinho do Seu Argemiro."





Direto na têmpora: Mango tree - Angus & Julia Stone

quarta-feira, setembro 08, 2010

Moedinha

Não era a primeira vez que ela sentia aquela dor atrás da orelha esquerda. Desde muito nova aquilo a incomodava, mas agora a coisa chegou a um ponto em que o próprio sono era um suplício.

Procurou médicos, curandeiros, acupunturistas, benzedeiras e nada. Perdia peso, perdia a vontade de sair, perdia o gosto pela vida.

Até que um dia a solução surgiu-lhe no meio do banho. Fez um telefonema e preparou-se para os 430 quilômetros que a separavam de Guaxupé.

Viajou no sábado cedo, correndo mais do que deveria, e chegou sem tempo de relembrar a cidade, seguindo direto para a casa do Tio Alfeu.

Tudo na casa parecia igual: os quadros amarelados, os bibelôs de gosto duvidoso, o sofá de couro vermelho e até mesmo o cheiro da Tia Dica era o mesmo.

Tio Alfeu entrou na sala com o velho sorriso no meio dos lábios muito grossos e a conversa continuou lentamente na cozinha, como se o cheiro de café fresco impedisse o tempo de passar.

Almoçou, relembrou, sorriu, mentiu um pouco e antes das três da tarde resolveu partir. Já na porta da casa, tio Alfeu se aproximou, afastou o cabelo do rosto dela e repetiu o ritual vivido milhares de vezes na infância da menina.

Passou a mão atrás da orelha esquerda dela e entregou orgulhoso a moeda que tirara dali.

- Olha só o que eu achei aqui atrás! Pode ficar, viu?


Naquela noite, depois de muito tempo, ela dormiu como um anjo.




PS
- Hoje o PC trouxe um pacote de biscoito de polvilho pra mim aqui na agência e se anunciou como meu namorado. É por essas e outras que eu vou começar a cobrar pelo acesso ao pastelzinho.




Direto na têmpora: Sugar world - The Magnetic Fields

Lei de Incentivo à Cultura para o pasteleiro

Sei que o Pastelzinho tá um merchand danado, mas eu e Rogério Fernandes aprovamos o projeto de mais um livro através da Lei de Incentivo à Cultura nacional.

A obra se chama "Andar por andar" e conta historinhas curtas de cada apartamento de um edifício. Algumas tristes, outras bem humoradas e todas bem ilustradas pelo Rogério.

Segue aí uma amostrinha e o pedido a todos os leitores que, se puderem, indiquem empresas com perfil e vontade de patrocinar. Valeu!







Direto na têmpora: Time to pretend - MGMT

segunda-feira, setembro 06, 2010

Nova Escola e eu

Está nas bancas a Edição Especial da revista Nova Escola com 27 contos selecionados para crianças.

Entre os autores estão Tatiana Belinky, Pedro Bandeira, Moacyr Scliar e, agradecida e orgulhosamente, o tio Maurilo.

A capa, extraída da ilustração da minha historinha "Sebastião e Danilo", é do Rogério Fernandes.

Independente de eu estar lá, tem coisas bem legais e vale muito a pena comprar.








Direto na têmpora: Outshined - Soundgarden

sexta-feira, setembro 03, 2010

O "io"

A casa do peixe é o rio.

O descanso do pardal é o fio.

A vontade da leoa é o cio.

Gato mia e não dá nenhum pio.

A alegria do pinguim é o frio.

E pra acabar tanta rima com "io",

Na evolução, orangotango é seu tio.




Direto na têmpora: Take the skinheads bowling - Camper Van Beethoven

O melhor que eu já tive

Ontem, não me lembro bem o porquê, Sophia me deu o maior abração e disse com o maior dengo:

- Você é o melhor papai que eu já tive.

Preferi entender como inocência dela e devolvi o abraço dizendo.

- Você também é a melhor filha que eu já tive, viu, meu doce?




Direto na têmpora: Two more years - Bloc Party

quinta-feira, setembro 02, 2010

Agilidade é tudo

Liguei para uma gráfica rápida e começou a gravação:

- Para orçamento, digite 5...

Digitei o 5 e atendeu uma moça.

- Gráfica X, boa tarde.

- Boa tarde, eu queria fazer um orçamento.

- Orçamento é só por email.

- Mas a gravação diz que o 5... ah, deixa pra lá, o email de vocês é qual mesmo?





Direto na têmpora: Dollar short - Dutch Courage

O segredo das vagas

Descobri porque é tão difícil estacionar aqui perto da TOM. Tem gente que chega antes e ocupa as melhores vagas.







Direto na têmpora: Hazy shade of winter - She Wants Revenge