quarta-feira, setembro 30, 2009

O Piolho Caolho

Um dia chegou à cidade, em uma manhã bem quente, uma turma de piolhos que era de arrepiar. A mamãe Piolhina vinha de muito longe, do outro lado do país, e no lombo de um cavalo veio parar bem aqui do lado com os seus filhinhos: Catulo, Caneco, Caxoxo e Caolho.

Catulo era o mais velho, um piolhinho esperto e que sempre arranjava as melhores cabeleiras sem nunca ser pego.

Depois vinha o Caneco, que era meio maluco, mas rápido como ele só.

O Caxoxo era o terceiro e vivia morrendo de sono, sempre com preguiça de sair pra arranjar um bom cabelo pra morar.

E o caçulinha, o menorzinho de todos era o Caolho. O Caolho era bem pequenininho, muito novinho e ainda enxergava mal, coitadinho. Todo mundo cuidava bem dele, mas o Caolho já estava ficando chateado.

- Poxa, ninguém nunca me deixa fazer nada. Qualquer dia desses eu saio por aí e vou me virar sozinho.

Assim que chegaram, cada um foi para um lado pra arranjar a casa nova. Logo, logo, o Catulo apareceu com a novidade.

- Achei a cabelândia perfeita pra gente morar. É bem pretinha, bem cheia e, pelo jeito, já faz um bom tempo que não vê xampu.

A turma dos piolhos então foi correndo pra cabeça que o Catulo tinha achado, mas assim que eles chegaram o Caolho fez uma careta e foi logo dizendo:

- Ah não, ah não, ah não! Que cheiro horrível! Tá certo que a gente gosta de cabelo sujo, mas esse aqui tá demais. Olha, tá tão ensebado que eu já escorreguei duas vezes!

O Catulo não gostou nada daquilo, justo o Caolho reclamando de um lugar que ele achou? Que absurdo! Mas o resto da família reparou bem e todo mundo concordou que aquele lugar ali era sujo demais até mesmo pra piolhos. Eles saíram rapidinho dali e foram achar outro lugar.

O Caneco, rápido como ele só, logo voltou com a notícia.

- Achei! Achei! Esse lugar é maravilhoso, turma. Venham! Venham!

Todo mundo logo foi atrás do Caneco e acabaram chegando em uma cabeça que parecia ideal. Cabelos castanhos, nem muito suja e nem muito limpa, tudo certinho. Quando todo mundo já estava se ajeitando pra ficar por ali, o Caolho começou:

- Ah não, ah não, ah não! Olha só isso aqui, essa casa tá quase sem telhado no meio. Depois daquele topete lá na frente, aqui é quase sem cobertura. Com esse sol a gente vai ficar todo queimado e eu nem trouxe protetor solar.

O Caneco fez uma cara ruim, mas não demorou muito pra todo mundo perceber que aquela escolha ali não tinha sido boa. Com tão pouco cabelo, além de ficarem muito à vista de quem quisesse achá-los, eles ainda corriam o risco de pegar uma insolação.

E lá se foram todos atrás de um novo lar.

Passou-se um bom tempo e o Caxoxo chegou bocejando, todo moleirão.

- Ei, pessoal, eu acho que esse lugar é legal. Vocês querem dar uma olhada?

Bem devagar, lá se foram eles, o Caxoxo na frente e o resto da família atrás. Quando viu a dona da casa que o Caxoxo estava sugerindo, o Caolho começou a gritar antes mesmo de subir:

- Ah não, ah não, ah não! Gente, o cabelo dessa mulher é duro que nem pedra. Imagina todo mundo lá, descansando, sossegado e de repente ela joga um jato de laquê na gente! Foi assim que o tio Cafunfo ficou doido, lembram?

Dessa vez todo mundo concordou e nem o Caxoxo achou ruim. Só de lembrarem do tio Cafunfo maluquinho por causa do laquê, eles nem subiram.

Quando já iam começar a procurar de novo o Catulo falou:

- E você, Caolho, só reclama, só reclama, quando é que vai achar uma casa boa pra gente?

- É mesmo – concordou o Caneco – até agora você não ajudou em nada.

- Se eu não estivesse tão cansado ia aí te dar uns cascudos – completou o Caxoxo.

A mamãe então logo saiu em defesa do seu caçula.

- Meninos, meninos, parem de implicar com o pobre do Caolhinho. Ele é o menorzinho, ora bolas.

Mas na verdade, a mamãe nem precisava ter defendido o Caolho. É que mesmo sendo pequenininho ele era muito corajoso, estufou o peito e respondeu bem firme.

- Pois vocês podem ficar vagabundeando por aí. Até o final do dia eu volto com o lugar perfeito pra gente morar, viu? Podem ter certeza!

E lá se foi o nosso herói atrás de uma casa melhor para a sua família. Mesmo sem enxergar direito, o Caolho avistou lá de longe um cabeludo daqueles bem cabeludos mesmo. Ou seria uma cabeluda? O Caolho não sabia, mas nem quis esperar e foi conhecer o terreno.

Subiu correndo até lá em cima e já estava todo feliz, imaginando a festa que ia fazer naquela cabeleira toda quando esbarrou em um outro bicho.

- Ei, olhe por onde anda – disse o inseto nervoso.

- Desculpe, é que eu estava com pressa e não enxergo muito bem. Se eu soubesse que outro piolho já era dono dessa cabeça eu nem tinha vindo. Desculpe mesmo.

- Piolho? Cabeça? Eu sou uma formiga, menino, muito respeito! E isso aqui não é cabeça nenhuma, é uma samambaia, você não está vendo?

Foi só aí que o coitado do Caolho percebeu que tinha mesmo se enganado. Limpou a terra das patinhas e lá se foi atrás de outro lugar pra morar.

Um pouco mais à frente, na porta de uma loja, ele viu uma figura alta, de cabelo espetadinho.

- Opa, aquele ali é soldado. Deve passar dias no meio do mato, aquele ar puro, a natureza em volta. Que beleza!

Lá se foi o Caolho, todo animadinho, conhecer de perto a casa nova. Chegou lá em cima e já estava procurando o melhor lugar pra ficar quando, de repente, tudo virou de cabeça pra baixo e o soldado começou a esfregar a cabeça no chão com a maior força.

- Uma vassoura! Ai, ai, ai que confusão, deixa eu sair daqui!

E o Caolho saiu correndo pra não morrer varrido. Ele já estava desanimado, quase desistindo, quando viu, em uma janela, uma cabeleira de cachos bem grandes. Foi saltando até lá e mergulhou de cabeça.

- Oba! Agora eu vou me dar bem!

Caiu em um lugar macio, fofinho e foi ficando enrolado, enrolado até descobrir que era um grande bolo de novelos de lã. Pra sair dali foi um custo e o Caolho ficou tão triste que sentou na beiradinha da janela e começou a chorar.

Um cachorro que passava por ali ouviu o chorinho, forçou a vista e conseguiu enxergar o Caolho no beiral da janela.

- Ei, piolhinho, por que você está chorando?

- Eu e minha família estamos sem casa. Já procurei cabelo por cabelo dessa cidade e nem unzinho serve. E pra piorar, eu não enxergo direito e sempre entro em confusão.

- Calma, calma. Quem sabe a gente encontra uma solução juntos?

Os dois então pensaram, pensaram, conversaram, conversaram e tiveram uma grande idéia.

A mamãe Piolhina e o resto da família tomaram um susto quando viram aquele cachorrão correndo na direção deles, mas logo ouviram a vozinha do Caolho dizendo:

- Ei, pessoal, esse aqui é o meu amigo Tuti.

- Tuti!?

- É, ele me viu chorando e veio conversar comigo. Nós tivemos uma idéia genial!

- Idéia!?!?

- Isso. Agora nós vamos morar numa casa móvel.

- Casa móvel!?!?!?

O Tuti e o Caolho começaram a rir e então explicaram a idéia deles. A família ia passar o dia no meio dos pelos do Tuti, no maior conforto e sem se preocupar com nada. E aí, quando achassem uma cabeleira legal, pulavam pra lá, enchiam a barriguinha e voltavam.

- É perfeito, disso o Caolho. O Tuti não precisa mais ficar sozinho e a gente não precisa mais ficar nessa correria atrás de casa.

É claro que todo mundo adorou a idéia. E daquele dia em diante, a família dos piolhos ficou sempre junta, com casa pra morar e jantando fora todo dia.

E o Caolho, mesmo pequenininho e mesmo sem enxergar bem, virou o piolho mais famoso da história piolhística por causa de sua idéia brilhante.




Direto na têmpora: All Revved Up With No Place To Go - Meat Loaf

14 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Gente, a Sophia deve ter amado essa historinha.
À medida que você narrava eu via a carinha dela acompanhando o papai e sua fábula.
Parabéns!
Don Oliva

redatozim disse...

Sinceramente, Don Oliva? Ela não conseguiu ouvir até o final hahahahaha

Unknown disse...

lindo!
A gente precisa de coisas linda de manhã cedinho...

redatozim disse...

bom que gostou, micho.

Unknown disse...

Vou imprimir pra contar p/ Laura, ela adora história de piolho.Lindinha.

redatozim disse...

Se ela gosta de história de piolho essa vai ser uma boa mesmo, Ilda. Depois me conta o que ela achou.

ndms disse...

Muito bom Cotão! Gostei muito! Acho que vale a pena levar essa historinhas ao conhecimento dos fabricantes de remédios contra piolho, ou mesmo, do MEC, para distribuição nas escolinhas

Meus parabéns

redatozim disse...

Publicando de qualquer forma já tá beleza, ndms. ;-)

Jonga Olivieri disse...

Quebrei a cara... Depois refleti e achei que talvez você tenha se estendido demais na narrativa.
Criança enche o saco em ficar muito tempo numa diração.
Mas, encurta cara, encurta que você leva um puta jeito para contador de historinhas... Juro!
Don Oliva

redatozim disse...

talvez também ela seja nova, don oliva. uma criança de 5 ou 6 anos talvez curta mais. vai saber...

Unknown disse...

Maurilo, a Laura adorou, riu de se acabar,perguntou quem tinha me dado a história,aí eu falei que era um amigo do computador,ela quis saber seu nome,endereço,sua cor,se vc era criança,etc,parecia a polícia federal.No final,pegou o texto e começou a "ler",eu filmei ficou uma graça,qdo meu pc vier do conserto eu mando o vídeo p/vc ver.O que ela + riu foi dos nomes dos piolhos e parte em que o Caolho vai parar na vassoura.Ah, ela pediu + histórias.

redatozim disse...

Que bom, Ilda. Aqui, acho que se você der busca por "infantil" no pastelzinho vai achar outras coisas, mas daqui a um tempo eu junto um monte e mando procês, viu?

Beijinho na Laura.

as viciadas disse...

sinto menos nojo dos piolhos agora.é igual ratos. não posso ver um filme que os insetos nojentos são fofos, que começo a achar tão cut cut.

muito bom mesmo.

beijones,L.

redatozim disse...

Obrigdo, viciadas, daqui a pouco eu vou lançar um piolho de pelúcia. Vai vender ou não vai?