segunda-feira, julho 16, 2007

Um tempo

Dona Esther pendurava as roupas no varal, a grama aparada sob seus pés. A gente se deitava naquele verde fresco achando que o quintal tinha léguas e o dia bonito refletido na saia branca fazia a gente desviar os olhos, talvez com vergonha da mulher que não havia dentro da roupa.

Ali tinha formiga lava-pé, tinha cupim, tinha centopéia e besourinhos meio bronze com um laranja por dentro das asas. A gente encostava o ouvido no chão pra ouvir o úmido do quintal. Que vida seria aquela debaixo da gente? E imaginávamos cidades de barro macio onde as minhocas sabiam tudo.

Dona Esther saía e o varal era um painel multicor. Brancas com brancas, cores com cores e uma perdida calcinha vermelha já se relava no sóbrio terno azul marinho de meu avô. Era da Santa, a filha moça da Dona Esther, e só de pensar nela o sol já dava um calor novo, que arrepiava.

Dali a pouco o Cláudio chegava gritando e roubava da gente aquele torpor de musgo. A Lala tomava um suco de laranja, eu e o Lucas corríamos com goiabas nas mãos pra ver quem chegava primeiro na kombi enquanto o Cláudio piava agourento “vaicaí, vaicaí, ói, vaicaí”.

Mas ali, naqueles dias bonitos, a gente não caía ainda. E ia pra escola se rindo, perfumados de terra e goiaba vermelha.




Direto na têmpora: Summer´s almost gone - The Doors

6 comentários:

Rubens disse...

"...ouvir o úmido do quintal" e "torpor de musgo" tem tudo a ver com Manoel de Barros. Simplesmente lindo. Ele é uma inspiração pra você, my friend?

redatozim disse...

Pô, Rubéola, fico feliz de você comentar nesse post. Não sei se foi porque eu toquei no assunto ali em cima, mas esse texto saiu tão fácil e eu gostei tanto dele que gostei muito de ler seu comentário. Vou te falar que há muito não leio Manoel de Barros, mas o cabra é bom e influencia qualquer um que já o tenha lido. Obrigado mesmo pelo comentário, my friend.

Rubens disse...

Li seu post e deu vontade de comentar no dia, mas aí tinha outra coisa pra fazer na hora e deixei pra comentar depois. Quando li seu comentário de que ninguém tinha postado nada a respeito, não hesitei. O texto é muito bom mesmo. Me lembrou também uma canção do Lula Queiroga (não sei se conhece, é um pernambucano muito bacana), que se chama Roupa no Varal Olha a letra aí:

A saia balança as roupas bailam
Se eles tem roupa no varal
No varal de nylon

O vestido, blusa o vento veste o sutiã
No varal de nylon
Na manhã, ainda do bairro

É... as nossas roupas bailam
E trocam botões e babados
Elas vão se cruzar logo mais
Quando a gente se encontrar
Nossas roupas vão sair pra jantar
Nos levar pra dançar
E depois ficar á sós
Suadas no tapete
Esquecidas de nós
É...

redatozim disse...

Muito bacana a letra. Realmente não conheço o compositor, mas interessei. Acha-se pra baixar na net?

Rubens disse...

Nunca tentei, mas deve ter sim porque ele já gravou um CD. Ele é parceiro de várias composições do Lenine. Já fui até num show dele aqui no Teatro Alterosa. O cara é muito doido e tem um som bacana, meio na linha do Lenine mesmo. Para saber mais sobre ele e ouvir suas músicas (acho que dá pra baixar) acesse: http://www.reciferock.com.br/exib-b.php?b=222

redatozim disse...

Rubéola, já recebi a mpusica, já ouvi e já gostei. Muito obrigado, meu caro.