Ao
virar certa rua viu um velho sentado na calçada com um chapéu roto e
uma roupa em mesma condição. Com o intuito de aparecer uma ser de alma
boa tirou algumas moedas e colocou no chapéu do velho, este por sua vez
olhou o homem com um olhar frio e profundo e começou a dizer:
_Sentei-me aqui para observar a rua, moro nessa casa.
O homem ainda de pé frente ao velho curvou-se para poder ouvir melhor o idoso, que falou com voz grave e levemente sombria.
_Vê
este cachimbo? Disse levantando o ítem para o homem. _Eu costumava ter o
prazer de acendê-lo na minha mocidade, neste mesmo lugar onde estou
agora, enquanto eu o pitava meus filhos brincavam nessa rua e minha
mulher fazia a comida.
_E hoje não o faz mais? Perguntou o homem com certa curiosidade.
_Não, já faz 20 anos que não acendo esse cachimbo, o isqueiro que eu usava não esta mais comigo.
_Ora, mas não seja por isso, tome o meu isqueiro.
_Não posso, veja que no meu cachimbo tem um nome de mulher.
_Sim vejo, mas o que tem isso haver?
_É o nome de minha esposa, ela me deu o cachimbo junto com o isqueiro.
_E o senhor perdeu o isqueiro? Perguntou o homem com um arrepio.
_Sim, mais que isto meu jovem, perdi minha esposa. E o velho olhou para o céu com se estivesse buscando algo.
_Bem, mas o que o isqueiro tem haver com sua condição de viúvo?
_Quando
me casei com minha mulher, ela me deu esse cachimbo e o isqueiro.
Quando fomos para nossa lua de mel perdemos nossas alianças e ela com o
isqueiro iluminou uma parte escura e lá achamos o simbolo de nossa
união, e eu disse a ela que enquanto ela estivesse comigo ela iria
iluminar as trevas que eu encontrasse.
_Ainda sim, não entendo, mas é uma boa história.
_Quando
Clara morreu, ela levou consigo a minha luz, eu não via nada além de
escuridão e o corpo dela cheio de luz, pois nas mãos dela coloquei meu
isqueiro junto com as nossas alianças.
_Entendi. E ficou com o cachimbo como lembrança? Perguntou o homem com certa comoção
_Filho,
eu fiquei com o cachimbo pois todos os dias nesta data eu me sento aqui
e visto este terno e coloco o chapéu na posiçao que está.
_ E por qual motivo?
_Foi
nessa data que nos conhecemos, eu passando por (como você) aqui e o
vento tirou meu chapéu, quando ela passava eu me agachei para pegar e
ela deixou cair uma flor no meu chapéu. Naquele dia encontrei meu grande
amor. Namoramos e neste mesmo lugar aceitamos nos casar e comprei esta
casa a custo de muito suor.
_Mas que historia fantástica! O homem não
disfarçava a admiração que sentia.
_Todos os dias eu me sentava
aqui e clara pegava meu isqueiro para acender o fogão e me agradecia com
um beijo e acendia meu cachimbo. Quando ela morreu perdi a graça de
acender o cachimbo sem sentir o cheiro dela. Desde então, me sento aqui
nessa data na esperança de ver uma flor no meu chapéu ou de sentir um o
cheiro dela enquanto meu cachimbo se acende.
_Entendo, mas por que vc se veste com esse terno tão surrado e fora de moda?
_Este
é o terno que eu encontrei Clara, que me casei com ela e que batizei
meus cinco filhos. Tambem é o terno que velei minha amada.
O
velho estava com o ar pesado como se quizesse ficar sozinho. O homem
pegou suas moedas pediu desculpas ao velho por te-lo confundido com um
mendigo e seguiu sua rota pensando em tudo o que o velho dissera.
Naquele dia ele queria ser um marido mais amoroso e um pai mais
presente.
Ele voltou pelo mesmo caminho e deu com uma
multidão, olhou assustado o lugar onde o velho estava sentado quando um
vento forte jogou seu cigarro longe. Seguiu a guimba com os olhos e viu
que ela parou perto do amigo que estava estranhamente imóvel, se
aproximou para ver melhor abrindo caminho entre a multidão.
O
velho estava morto, em seu chapéu tinha uma flor branca e seu cachimbo
estava aceso. O homem desabou em um pranto sentido com alegria e
comoção. Chegou em casa, beijou sua esposa como jamais a beijou e aos
seus filhos disse o tanto que eles eram importantes para ele.
Naquele dia ele percebeu o quão bela pode ser a morte quando a vida é cheia de amor.
Direto na têmpora: No surprises - Radiohead