O cachorro estava há uns três dias esquivando-se da chuva sob a
marquise do prédio, às vezes dormindo, às vezes ensopado e tremendo de
frio.
Não sei o que comia, o que fazia, mas estava ali, olhos baixos,
enrodilhado como um cúmplice que aguarda. Era preto, de patas grandes e dava a impressão de que simplesmente não queria ser visto.
Talvez tenha sido exatamente isso que me fez subir com ele.
Deixei o cão livre para circular, mas ele não cheirou nada, não
vasculhou nada, mal olhou ao redor. Simplesmente deitou-se entre o sofá
de couro e a parede e ali ficou, dormitando de olhos abertos.
Fui para o quarto, liguei a tv e só depois me lembrei de que o bicho
poderia estar com fome ou sede. Coloquei um resto de frango frio e um
pote de margarina com água perto do sofá.
Dormi com a televisão ligada e acordei com o sol na cara.
Na sala, o frango havia sumido e o pote de margarina estava vazio. O animal permanecia como se nunca houvesse se movido.
Continuamos assim por quase um mês, praticamente estranhos um ao outro.
Eu colocava frango e água, ele comia e bebia. Ele fazia suas
necessidades, eu limpava. Nenhum carinho, nenhum latido, nenhuma
aproximação, nenhuma amizade aparente.
Um dia, deixei a porta
aberta enquanto conversava com um amigo e ele foi embora. Segundo o
porteiro, saiu andando com a maior calma do mundo.
Nunca mais voltou.
E eu nunca fiquei tão sozinho.
Direto na têmpora: One step beyond - Madness
Nenhum comentário:
Postar um comentário