quinta-feira, setembro 19, 2013

Cachimbos, Flores e Isqueiros (texto do amigo Don LC)

Ao virar certa rua viu um velho sentado na calçada com um chapéu roto e uma roupa em mesma condição. Com o intuito de aparecer uma ser de alma boa tirou algumas moedas e colocou no chapéu do velho, este por sua vez olhou o homem com um olhar frio e profundo e começou a dizer:
_Sentei-me aqui para observar a rua, moro nessa casa.

O homem ainda de pé frente ao velho curvou-se para poder ouvir melhor o idoso, que falou com voz grave e levemente sombria.

_Vê este cachimbo? Disse levantando o ítem para o homem. _Eu costumava ter o prazer de acendê-lo na minha mocidade, neste mesmo lugar onde estou agora, enquanto eu o pitava meus filhos brincavam nessa rua e minha mulher fazia a comida.

_E hoje não o faz mais? Perguntou o homem com certa curiosidade.

_Não, já faz 20 anos que não acendo esse cachimbo, o isqueiro que eu usava não esta mais comigo.

_Ora, mas não seja por isso, tome o meu isqueiro.

_Não posso, veja que no meu cachimbo tem um nome de mulher.

_Sim vejo, mas o que tem isso haver?

_É o nome de minha esposa, ela me deu o cachimbo junto com o isqueiro.

_E o senhor perdeu o isqueiro? Perguntou o homem com um arrepio.

_Sim, mais que isto meu jovem, perdi minha esposa. E o velho olhou para o céu com se estivesse buscando algo.

_Bem, mas o que o isqueiro tem haver com sua condição de viúvo?

_Quando me casei com minha mulher, ela me deu esse cachimbo e o isqueiro. Quando fomos para nossa lua de mel perdemos nossas alianças e ela com o isqueiro iluminou uma parte escura e lá achamos o simbolo de nossa união, e eu disse a ela que enquanto ela estivesse comigo ela iria iluminar as trevas que eu encontrasse.

_Ainda sim, não entendo, mas é uma boa história.

_Quando Clara morreu, ela levou consigo a minha luz, eu não via nada além de escuridão e o corpo dela cheio de luz, pois nas mãos dela coloquei meu isqueiro junto com as nossas alianças.

_Entendi. E ficou com o cachimbo como lembrança? Perguntou o homem com certa comoção

_Filho, eu fiquei com o cachimbo pois todos os dias nesta data eu me sento aqui e visto este terno e coloco o chapéu na posiçao que está.

_ E por qual motivo?

_Foi nessa data que nos conhecemos, eu passando por (como você) aqui e o vento tirou meu chapéu, quando ela passava eu me agachei para pegar e ela deixou cair uma flor no meu chapéu. Naquele dia encontrei meu grande amor. Namoramos e neste mesmo lugar aceitamos nos casar e comprei esta casa a custo de muito suor.

_Mas que historia fantástica! O homem não disfarçava a admiração que sentia.

_Todos os dias eu me sentava aqui e clara pegava meu isqueiro para acender o fogão e me agradecia com um beijo e acendia meu cachimbo. Quando ela morreu perdi a graça de acender o cachimbo sem sentir o cheiro dela. Desde então, me sento aqui nessa data na esperança de ver uma flor no meu chapéu ou de sentir um o cheiro dela enquanto meu cachimbo se acende.

_Entendo, mas por que vc se veste com esse terno tão surrado e fora de moda?

_Este é o terno que eu encontrei Clara, que me casei com ela e que batizei meus cinco filhos. Tambem é o terno que velei minha amada.

O velho estava com o ar pesado como se quizesse ficar sozinho. O homem pegou suas moedas pediu desculpas ao velho por te-lo confundido com um mendigo e seguiu sua rota pensando em tudo o que o velho dissera. Naquele dia ele queria ser um marido mais amoroso e um pai mais presente.

Ele voltou pelo mesmo caminho e deu com uma multidão, olhou assustado o lugar onde o velho estava sentado quando um vento forte jogou seu cigarro longe. Seguiu a guimba com os olhos e viu que ela parou perto do amigo que estava estranhamente imóvel, se aproximou para ver melhor abrindo caminho entre a multidão.

O velho estava morto, em seu chapéu tinha uma flor branca e seu cachimbo estava aceso. O homem desabou em um pranto sentido com alegria e comoção. Chegou em casa, beijou sua esposa como jamais a beijou e aos seus filhos disse o tanto que eles eram importantes para ele.

Naquele dia ele percebeu o quão bela pode ser a morte quando a vida é cheia de amor.




Direto na têmpora: No surprises - Radiohead

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