terça-feira, abril 15, 2008

O cego e o surdo

Na canção Fado Tropical, de Chico Buarque e Ruy Guerra, tem um trecho que acho muito bacana e que faço questão de reproduzir aqui:

“Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, meu coração fecha os olhos e sinceramente chora. (...) Se trago as mãos distante do meu peito, é que há distância entre intenção e gesto(...).”

Essa “distância entre intenção e gesto” é uma coisa tão clara no mundo publicitário que chega a chocar que Chico e Ruy nunca tenham trabalhado em agência. É a prática negando o discurso em tempo integral sem que nenhuma cara sequer queime. Aquela velha história de estar no estádio e ouvir o jogo pelo rádio: “que partida é essa que o locutor está assistindo, meu Deus?”.

Lembra da antológica cena do "Assassinato por Morte", em que o mordomo cego recebe a cozinheira surda-muda e o impossível "diálogo" entre os dois (que infelizmente não achei no youtube para postar aqui). Enfim, poderiam muito bem ser o discurso e a prática tentando se entender.

Mas, cada lida uma dor e eu com a pauta cheia. Uma boa tarde.




Direto na têmpora: Buffalo Soldier - Bob Marley

9 comentários:

Anônimo disse...

Na verdade são os dois grandes desafios que levamos pela vida: o balanço entre o discurso e a prática; a intenção e o gesto. Que sejamos iluminados ou sabios, o suficiete para que tenhamos no final um saldo positivo de humanidade.

Anônimo disse...

Em tempo: perdi o 23.000

redatozim disse...

Um bom punhado de coerência já é um ótimo começo, ndms.

Anônimo disse...

Grande lembrança.
"Assassinato por morte" (Murder by death- 1976), direção de Robert Moore, que não realizou tantas obras brilhantes, mas que só esta vale por muitas.
E esta cena a que você refere é uma das mais geniais do cinema em todos os tempos...

redatozim disse...

O Peter Sellers de chinês também está sensacional, Don Oliva, sem falar no Capote.

Anônimo disse...

O elenco é mesmo de primeira. Além do 'grande' Peter Sellers e Truman Capote, Alec Guiness (o mordomo cego), Peter Falk, David Niven, Elsa Lancaster e Maggie Smith.
O mais engraçado -- e quase ia me esquecendo deste detalhe --, é que lá em Portugal o filme foi entitulado como: "Um cadáver de sobremesa".

redatozim disse...

Don Oliva, sendo honesto, gostei pra caralho do título português.

Rubens disse...

A distância entre intenção e gesto no mundo publicitário beira a mitomania, doença que faz o mentiroso acreditar nas próprias mentiras, de tanto que ele mente.

redatozim disse...

E além de acreditar, rubéola, viver de convencer os outros de que cada uma delas é verdade.