Sophia Comelli Musetti Silveira, esse é o seu nome, minha filha. Comelli é o sobrenome da sua mãe, Silveira é o meu e Sophia foi o nome que nós escolhemos para você. Só que no meio disso tudo tem um Musetti que só entrou na hora em que eu fui te registrar. É o sobrenome da sua bisavó Geralda, mãe do vovô Nilo e minha avó. Aliás, pouca gente sabe, mas o nome de verdade da sua bisa é Geraldina, mas ninguém chama ela assim.
Pois bem, eu como não tenho esse sobrenome queria muito que você o tivesse. Pensei até em tirar o “meu” Silveira, mas no cartório não deixaram e eu tive que encaixar o Musetti no meio do nome. Ficou bonito e sua mãe me deixou muito feliz por aprovar a idéia.
Uma das coisas que eu gosto desse nome é que nem na nossa família ele é escrito do mesmo jeito. Tem tios que são Muzetti, outros que são Muzeti e tem o seu avô que é Musetti. Pelo resto do Brasil a confusão é maior ainda, com Muzete, Museti e por aí vai.
Mas sabe porque eu queria tanto colocar esse sobrenome em você? Por causa da história da sua bisavó Geralda e do seu bisavô Maurilo. É, eu sei, meu nome é igual ao dele, né? Foi uma homenagem que o vovô Nilo fez. Ah, e não foi erro de cartório não. A mãe do vovô Maurilo, minha bisa Adelaide, deixou bem claro pro meu “biso” Saturnino: é Maurilo e não Maurílio, viu?” Mas voltando à história, tudo começou em Passos, no interior de Minas Gerais.
Sua bisa Geralda era filha de Augusta Posanzini e Luigi Musetti, ela de Ancona, ele de Carrara. Dona Augusta era uma italiana brava, severa, que vivia de costurar para clientes da cidade. Vovó Geralda era a segunda de seis filhos, sendo que a irmã mais velha havia morrido aos 19 anos durante o parto. Trabalhava como telefonista de dia e, à noite, costurava e dava aula de bordados à máquina.
Dizem que Vovó geralda era linda, linda. Ainda bem novinha ela namorou Messias Maia, filho do “Rei do Gado” Sebastião Maia. Um dia, Messias trouxe para ela bombons vindos de São Paulo, uma delícia rara e caríssima. Dona Augusta não gostou nada daquilo e mandou devolver. Sua bisa então, disse que de jeito nenhum, que devolver seria falta de educação. O resultado foi que ela levou uma surra, os bombons foram devolvidos e o namoro terminou por ali mesmo.
Namorou também o Saul, dono de uma farmácia, mas a mãe dele era contra só porque vovó era pobre. Depois veio o Cunha, e é aí que começa a história da vovó Geralda e do vovô Maurilo.
Celestino Cunha era de uma família riquíssima, envolvida com a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Apaixonou-se por vovó, ficaram noivos e ele comprou tudo para a nova residência do casal: geladeira, cama, móveis, só produtos da melhor qualidade. Dona Leocádia Cunha, mãe de Celestino, correspondia-se com vovó Geralda freqüentemente e era absolutamente encantada por ela. Enfim, tudo parecia encaminhar-se para um casamento feliz.
Certo dia, numa exposição de seus bordados, vovó Geralda encontrou vovô Maurilo pela primeira vez. Ele era 13 anos mais velho que ela, professor de matemática, muito inteligente. Cursou Engenharia no Rio de Janeiro, viajando a cavalo muitos dias junto com seu amigo e namorado de sua prima, Juscelino Kubitscheck, mas nunca terminou a faculdade.
Apaixonaram-se ali mesmo na exposição. Ele perguntou onde ela morava, ela contou e ele, curioso, disse que conhecia a casa. “Não é aquela casa onde tem sempre um lumezinho na porta?”. Vovó disse que sim e explicou que era o ferro em brasa que sua mãe, Dona Augusta, deixava na porta enquanto trabalhava.
Vovó terminou tudo com o Cunha dias depois. Já pensava nisso pelo fato dele ser espírita, o que incomodava muito uma pessoa católica como ela, mas o fator decisivo foi mesmo a paixão pelo vovô Maurilo.
Sempre muito correto, vovô Maurilo procurou o Cunha oferecendo-se para reembolsar todas as despesas que ele havia tido com a casa. Cunha recusou-se terminantemente a aceitar um centavo sequer. Queria apenas que vovó fosse feliz. Por carta, Dona Leocádia também desejou felicidades.
Maurilo e Geralda casaram-se em 1932. Tiveram 12 filhos, sendo que quatro morreram ainda bebês. Os outros oito seguem vivos até hoje: Levi, Luís, Galba, Hugo, Otto, Iara, seu avô Nilo e Maria das Graças. Viveram uma vida feliz e abençoada.
Em 1974, fiquei com eles alguns meses no sítio do Arrozal. Vovô Nilo e vovó Wanda foram para o Japão e me deixaram ali, com os tios todos, a Dinha (que você ainda não conhece), o seu biso Maurilo e a sua bisa Geralda. Fazia tanto tempo que eu não via o vovô Nilo que comecei a chamar Tio Levi de pai.
Quando queria alguma coisa, eu dizia assim: “faz batata frita pra ele, faz Dinha.” E a Dinha fazia uma bacia de batatinhas fritas que eu levava para a janela e ficava sentado, de banho tomado, olhando as pessoas passarem. Oferecia batatinha frita para todo mundo, perguntava se já tinham tomado banho ou se queriam ser meu pai.
Brincava no quintal e quase sempre me tiravam de lugares onde havia cobras. Entrei no meio da boiada, brinquei com o Duque, ia no riachinho no fundo do lote e fiquei um tempão sem cortar o cabelo. Anos depois morei de novo com vovó Geralda, mas dessa vez eu tinha 16 anos e já estávamos em Belo Horizonte. Foram dois anos que passamos no velho apartamento do São Bento, quando a barragem do Santa Lúcia era só um monte de mato.
Como você vê, Sophia, vovó Geralda tem uma história linda e é muito importante na vida do papai. Por isso eu fiz tanta questão e fiquei tão feliz que você tivesse o sobrenome Musetti. Tenha muito orgulho dele, porque é uma homenagem a uma pessoa maravilhosa.
Só mais uma coisinha: ainda hoje, com 96 anos e já bastante debilitada, vovó pede a Deus paciência, coragem, saúde e que seus filhos continuem sendo o que sempre foram: bons filhos. E eu não consigo ver pedido melhor para fazer a Deus quando penso em você. Te amo, minha filha. Minha Sophia Comelli Musetti Silveira.
Direto na têmpora: You're so damn hot - OK Go
18 comentários:
Linda história Maurilo, vc como eu vem de italianos, meu sobrenome também tem variações: Sentinella (meu),Santinelle,Sintinella,Sentinelli e por aí vái. Já pensou Sophia vivendo uma história de amor assim? Dá até novela.
Ah, Ilda, eu brinco muito que só quero a Sophia namorando depois dos 38, mas é papo mesmo. Eu quero mais é que ela encontre alguém que a ame e que seja companheiro de verdade dela. A história de amor nem precisa ser "de cinema", mas sendo verdadeira tá ótimo.
Coisa mais linda de se ler. Fico emocionada com essas histórias de amor e de familia.
Que bom, Renata, bom mesmo saber que você gostou.
Uma vez mais me emocionei com essa verdadeira história
vc é fruto dela, ndms, tem mesmo que se emocionar.
Oi Maurilo...Adorei a abordagem que vc fez da família da Vovó Geralda...Sou encantada com ela e com suas Histórias...Daniele(namorada do Christiano da Tia Iara)...
Ei, Daniele, bom ver você por aqui. Quem sabe as próximas histórias da família vão incluir você, né não? Beijo.
Grande Maurilo Pulha. Bela história da sua avó. Uma pena ela partir. Uma alegria ela ainda estar viva em você e em sua filha. Grande abraço.
Valeu, Hiltinho. Obrigado mesmo.
Que bom ler essa história,vim parar aqui quando li seu post sobre o falecimento da sua vó, que coincidiu com o falecimento da minha tia avó, com 102 anos, também hoje. Tem horas que tudo que a gente precisa é ler coisas assim, para aliviar um pouco a estranheza da morte. bj
As duas já estavam na hora delas, Su, mas sempre é ruim, né? Beijo.
Meus sentimentos. Que bom que ela te traz muitas boas histórias e lembranças. Essa história deixou meus olhos cheios d'água. Quase que você sai Celestino; não ia dar pra sair dando apelidos pra todo mundo...
Ah, Ibiza97, apelidos em Ipatinga quem colocava era o Tielvis. Nem vem.
Que história linda Maurilo... Emocionante... Eu lembro da sua Vovó Geralda no apartamento de São Bento quando fui te visitar uma vez... Há muitos anos, com certeza... Ela me ofereceu "doce de coco"... Linda! Acabei de ler que ela também partiu... Imagino quanta saudades e quanta lembraça...Pode ter certeza de que ela está cercada de anjos e dando boas risadas. Abençoada sua Vovó Geralda! Parabéns pelas histórias... Tenho mto orgulho de ser sua amiga! beijos lindo! Tela
Foi mesmo, Tela, você ainda morava no Rio, se não me engano.
Também tenho muito orgulho de ser seu amigo, viu?
Beijão!
Linda história Maurilio. Fiquei feliz ao ler a história da família Musetti, que conheci quando morava em Volta Redonda. Eram meus vizinhos. Ainda lembro bem do seu pai Nilo, caminhando entre as pilastras do prédio, a estudar. O seu avô Maurilio foi meu professor de matemática e eu adorava ouvir sua tia Maria das Graças ao piano. E, claro, a Dona Geralda sempre sorridente. Parabéns pela linda família. Abraço a todos.
Poxa, Rudolf, que bom que você encontrou esse texto. Vou contar ao meu pai e tenho certeza de que ele ficará bem feliz.
Obrigado e um abraço.
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