sexta-feira, maio 06, 2011

O bigode da bruxa

A bruxa Zita vivia em uma casa velha e escura, bem no meio da floresta. As amigas dela já tinham todas se mudado, mas a bruxa Zita continuava morando ali sozinha, longe de tudo e de todos.

Sabe o que é? É que a Zita tinha um pouco de vergonha de sair dali por causa do seu bigode. Sim, é a mais pura verdade, a bruxa Zita tinha um bigodão de meter medo em qualquer um. E nem em bruxas isso é legal.

Do outro lado da cidade, bem longe da floresta, Marcos estava morrendo de tédio. Não achava mais graça na televisão, não se divertia mais com seus jogos eletrônicos, nem descia para o playground do prédio para brincar.

Na verdade, Marcos queria era sair por aí, ver pessoas diferentes, conhecer lugares novos, viver aventuras. Mas ao invés disso, todo mundo dizia que ele era muito criança e Marcos apenas suspirava e brincava de novo com o game que ele já conhecia de cor.

Só que o tempo passou e, como todo mundo sabe, a vida é cheia de coincidências. O dia em que Marcos resolveu fugir de casa foi exatamente o mesmo dia em que a Zita decidiu largar seu cantinho solitário e correr mundo.

E aí, justamente porque a gente vive se encontrando e desencontrando por aqui e por ali, o menino Marcos e a bruxa Zita deram de cara um com o outro exatamente à meia-noite, na praça mais bonita da cidade.

Foram dois sustos grandes. Quer dizer, o Marcos tomou um susto grande e a bruxa Zita teve uma surpresa grande. De qualquer forma, os dois ficaram muito espantados.

- Gente, mas é um menino... o que será que ele está fazendo por aqui? - pensou a bruxa.

- Uau! É uma bruxa! E que bigode enorme! - foi o que pensou o Marcos.

Um ficou olhando para o outro sem saber o que falar, sem saber o que fazer e então, como se tivessem combinado, ele sentou na ponta de um banco e ela sentou na outra.

Ele tentava parecer mais alto, fazia cara de adulto e fingia não ter medo. Ela olhava pros lados, tentava esconder o bigode com a mão e fingia procurar alguma coisa em sua sacola.

Depois de alguns minutos, Marcos não aguentou mais de curiosidade e perguntou:

- A... a... a... a senhora é uma bruxa?

- Sou sim - disse a bruxa Zita tentando parecer simpática. Meu nome é Zita, muito prazer.

- Meu nome é Marcos - o menino respondeu baixinho. Você mora por aqui? Eu não sabia que havia bruxas na cidade.

- Bom, na verdade eu moro na floresta lá longe.

E com um olhar triste, Zita completou:

- Quer dizer, morava...

- Você fugiu de casa? Eu também fugi.

- Bom, eu acho que eu não fugi de casa. É que eu moro sozinha e não dá pra fugir de casa se não tem mais ninguém em casa, né?

- É, mas você pode estar fugindo de alguma coisa que não é uma pessoa. Pode fugir de um medo, de uma briga, de muito barulho, de um monte de coisas.

Os dois então falaram juntos:

- Da solidão...

Daí pra frente, eles foram conversando e sabendo cada vez um pouquinho mais sobre a vida do outro.

O Marcos ficou sabendo que a Zita tinha vergonha do bigode, que quase não saía de casa por isso, que era uma bruxa ótima em fazer poções de troca e que adorava morcegos e teias de aranha bem compridas.

A Zita ficou sabendo que o Marcos também era muito sozinho, que passava o dia inteiro no quarto, que detestava ser tratado como criança, que era fã de Harry Potter e odiava couve.

Falaram tanto, tanto, tanto que quando deram por si (ou será que é por sis?) já estava amanhecendo. A Zita então puxou sua capa e os dois dormiram naquela cabaninha, bem debaixo da estátua, sem que ninguém percebesse.

Os dois acordaram no meio da tarde e, talvez porque houvesse algum feitiço na capa da bruxa, ninguém incomodou os dois. Era um dia de sol e lá foram eles arranjar o que comer.

Marcos ofereceu um cachorro-quente para a Zita e ela, que nunca tinha experimentado, provou e adorou.

Zita fez um guisado de olhos de calango e o Marcos, por educação, teve que provar um pouquinho, mas achou tão delicioso que comeu tudo e ainda repetiu duas vezes.

Resolveram sair daquela cidade e continuar andando por aí. Conheceram lugarejos frios e antigos, passaram por cidades quentes e cheias de gente, brincaram no meio de vilas abandonadas e foram aprendendo um com o outro pelo meio do caminho.

Marcos aprendeu a fazer um guisado de calango quase tão bom quanto o dela e Zita já sabia todos os truques para arrebentar no Super Mario Kart. Ficaram amigos, mas amigos mesmo, como se sempre tivessem estado um do lado do outro.

Mas o tempo passa, a saudade aperta e a vida tem um jeito todo especial de lembrar a gente das coisas que ficaram para trás. Marcos andava com vontade de abraçar seus pais e Zita até sonhava com os longos vôos de vassoura ao lado das suas amigas.

Sem que nenhum dos dois precisasse falar nada, eles já sabiam que estava chegando a hora de dizer adeus.

Os dois tinham mudado muito naquele tempo juntos: estavam mais confiantes, mais corajosos, mais felizes. E um não queria ir embora sem dar um grande presente pro outro.

Nenhum dos dois se lembra (ou talvez se lembrem, mas não queiram contar) de quem foi a ideia da troca, mas o fato é que foi coisa de gênio. A Zita fez uma de suas famosas poções de troca e ziiiiiiiiiiiiinnnnnnnng! Seu bigode foi parar no rosto do Marcos!

Tá certo que na troca ela ganhou algumas espinhas do menino que já estava virando adolescente, mas nem ligou. Em bruxas, espinhas e verrugas são até charmosas. E o Marcos ficou felicíssimo com seu bigode novinho em folha que o fazia parecer mais velho, mais forte, mais poderoso.

Dizem que os dois choraram em silêncio na hora de partir, mas como um estava de costas pro outro, ninguém tem certeza se foi verdade ou não.

Zita reencontrou suas amigas e viveu mais dois mil anos fazendo feitiços, criando aranhas, voando de vassoura e, de vez em quando, se trancando por horas no quarto para jogar Super Mario Kart.

Marcos virou o rei da turma com seu belo bigode de bruxa e com as histórias incríveis que tinha para contar, mas volta e meia ainda ficava quieto, calado no seu canto.

Era um pouco de saudades, um pouco de tristeza, mas era algo mais também.

Ninguém me contou, mas eu sei, que o que o Marcos tinha mesmo era uma vontade danada de comer o guisado de olhos de calango que só a Zita sabia fazer.




Direto na têmpora: Flores - Cafe Tacuba

2 comentários:

Anônimo disse...

Li para o meu filho e ele adorou, mas sempre falava eca quando aparecia a sopa de calango. :D

Parabéns! Um beijo da Lê.

redatozim disse...

Obrigado, Lê, sempre é bom ter o retorno de um leitor. Beijo!