Délio
tinha uma mancha de nascença nas costas, logo abaixo da nuca. Talvez
por causa da localização, longe das suas vistas, nunca deu muita bola
pra ela nos primeiros anos de vida.
Até que um dia, já com seus 19 anos, uma namorada reparou:
- Dé, alguém já te falou que essa marca nas suas costas é igualzinha ao mapa da Fança?
Délio, que nunca tinha reparado no formato do mapa da França, respondeu que não, mas ficou pensativo com aquele comentário.
Os dias passavam e Délio cada vez mais se convencia de que aquilo só
podia ser um sinal, uma indicação clara de que seu destino estava do
outro lado do Atlântico, em Paris, Cannes ou em alguma cidadezinha do
interior francês.
Começou a estudar a língua, informou-se sobre
literatura, cinema, queijos e vinhos franceses e, assim que se formou
em Turismo, partiu para encontrar o caminho que estava impresso em sua
pele desde que nasceu.
No país novo conseguiu trabalho, fez
amigos e, beirando os 30 anos, arranjou uma companheira francesa que, em
sua mente, talvez fosse o grande objetivo daquela mensagem hereditária
com a qual sempre convivera. Nunca mais voltou ao Brasil e tinha plena
certeza de que toda a sua vida, cada minuto de sua existência, só fazia
sentido por causa de Marie.
Casaram-se e já no primeiro ano ela
engravidou. Com três anos de casamento veio o segundo pimpolho, mas,
com a mesma mágica súbita que tudo começou, as coisas azedaram por volta
do quinto ano.
Já não conversavam, a paciência de um com o
outro rareava e as discussões entre eles ganhavam proporções gigantescas
e faziam fama na vizinhança. Separaram-se após seis anos de união, não
sem antes enfrentarem uma longa batalha judicial repleta de acusações
mútuas e dor.
Era um homem ferido, traído pelos sinais.
Dali em diante já não se animava com relacionamentos românticos,
desiludido pela peça que lhe havia pregado o destino, a maldita mancha
que, na verdade, não era uma indicação de felicidade, mas o aviso de um
desastre.
Viveu solitário e morno,sem grandes paixões, sem
grandes momentos, sem grandes reviravoltas. Essa não era definitivamente
a vida que esperava na França.
Aos 60 anos, em um exame de rotina, o médico comentou:
- Curiosa essa sua mancha nas costas. Alguém já te disse que ela tem o fomato do...
- Sim, do mapa da França. Eu sei...
- Mapa da França? Não, na verdade ela se parece com um mapa, mas não da França.
E mostrando a mancha através de um espelho completou o raciocínio de forma definitiva.
- Tá vendo? É o mapa da Alemanha sem tirar nem pôr. Perfeito!
E assim terminou a consulta, com Délio amargo, murcho, derrotado. Bem
de saúde, sem dúvida, mas cheio de ódio pela antiga namorada dos 19 anos
e sua terrível ignorância em Geografia.
Direto na têmpora: Ice Cream Truck - Casiotone For The Painfully Alone
4 comentários:
Boa história, mas, cá entre nós, coitada da namorada dos 19 anos! Bjs
"vez em quando" venho aqui só pra relaxar!
Vezes me emociono, vezes dou pala!
Sempre perfeito!
O problema dos sinais é saber lê-los, Rebecca Leão...
Obrigado, Aline, preciso voltar a escrever com regularidade aqui.
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