segunda-feira, setembro 16, 2013

Esmola

Passou ao lado do mendigo e, sem olhar, tirou a nota de dois reais da carteira e jogou displicentemente na vasilha de plástico que jazia à frente do senhor sujo e de cabelos brancos. Vinte passos à frente, entrou na cafeteria e, ao abrir a carteira, deu falta da nota de cem que havia sacado mais cedo.

- Entreguei pro mendigo por engano.

Imediatamente, quase por reflexo, olhou em volta. O maltrapilho havia sumido e levado sua grana. 

Que descuido! Não que o dinheiro fosse fazer falta, ele andava bem de vida com o novo salário, mas dava raiva demais um ato tão bobo custar tanto.
A raiva começava a subir junto com o café que ele bebia amargamente. Quem mandou ser bonzinho? Quem mandou querer ajudar e dar esmolas pra um vagabundo qualquer? Um grande otário de coração mole, era isso que ele era.
Sentia o rosto queimando de vergonha e frustração e já não olhava para os outros. Abriu o jornal que trazia com ele e fingiu ler alguma coisa para evitar que percebessem, por alguma arte mágica, como ele havia sido burro.
De repente, uma voz grave ecoou pela cafeteria.
- Ô, menina, vê aí um outro café pro dotô e pode colocar um pão de queijo também, viu?
Virou-se e deu de cara com o mendigo sorrindo seu sorriso pobre em dentes, um gigantesco buquê de rosas vermelhas na mão.
- O lanche hoje é por minha conta, dotô, pode aproveitar.
E antes que pudesse esboçar qualquer reação, sentindo-se observado pelo planeta inteiro, ouviu o outro dizer ainda, cheio de simpatia genuína.
- E as flores são pra patroa. Fala que eu mandei um beijo pra ela. O nome é Francisco, viu? 




Direto na têmpora:  Block after block - Matt & Kim

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