quarta-feira, novembro 17, 2010

Monteiro Lobato e os cegos que não querem ver

O aceitável é algo cultural. Há bem pouco tempo era aceitável segregar pessoas pela sua cor. Ainda hoje, excluímos pessoas por sua opção sexual. O tempo muda esses conceitos, ainda bem, mas o que é produzido em determinada época reflete a realidade daquela fatia da história. Não há como aplicar a uma obra do século XII um julgamento de valor baseado em conceito morais atuais. É ridículo, é prepotente, é falso.

Monteiro Lobato é o maior escritor infantil da história do Brasil. Suas obras refletem uma época em que a vida de uma criança ganhava sabor não graças a traquitanas eletrônicas, mas à imaginação, à criatividade, à capacidade de se transportar para mundos e aventuras impossíveis.

Querer proibir Caçadas de Pedrinho nas escolas públicas por causa do caráter racista com que Tia Nastácia é descrita pelo autor e tratada pelos outros personagens é querer negar um momento de nossa história, é revisionismo do pior gosto e é negar aos alunos a possibilidade de discutir a evolução das relações humanas a partir de uma belíssima obra literária.

Se não é função do livro proporcionar questionamento e função do professor intermediar essa percepção do aluno, então já não sei mais para que serve a leitura na escola. Se assim fosse, nunca teria lido Capitães da Areia, afinal, os meninos tentaram estuprar Dora (era Dora mesmo?) e isso não é coisa que se exponha aos alunos, não é verdade? Também nunca teria lido As aventuras de Huckleberry Finn, já que Huck fumava com apenas 13 anos.

É um absurdo questionar, proibir ou demonizar obras literárias em perfeito acordo com sua época simplesmente porque os tempos evoluíram. Não seria melhor propor uma leitura crítica do livro e preparar o professor para estimular o debate e ajudar os alunos a chegarem às suas próprias conclusões?

Enfim, é esse tipo de babaquice que me mata de vergonha e que me dá cada vez mais ódio desse mundinho politicamente correto e sem culhões no qual vivemos.




Direto na têmpora: Numb - U2

17 comentários:

Malena disse...

Mau, compartilho com você toda essa indignação... E digo mais: nenhuma elocubração moralista vai ser capaz de apagar as deliciosas memórias que tenho das leituras do Sítio...

redatozim disse...

Pois é Rê / Malena... essa visãozinha me faz pensar em queima de livros e em pasteurização generalizada. Dá medo.

Torsten disse...

Maurilo, a recomendação do CNE, até onde eu consigo entender, diz apenas que o livro só deve ser adotado em escolas acompanhado de discussões sobre o conteúdo. Não acho que há censura.

Eu estou lendo "Reinações de Narizinho" pras meninas e é racista pra chuchu, sim.

Mais aqui: http://blog.centrodestudos.com.br/2010/11/03/cacadas-de-pedrinho-e-o-cne/

o Humberto disse...

Esse episódio é uma vergonha mesmo, Maurilo, e é de dar medo. Incrível como tem gente ignorante neste mundo, ainda mais os que pagam de certinhos. A falta de noção é de doer.

Compartilho completamente do seu ponto de vista, especialmente com o seu último parágrafo.

Abs.

redatozim disse...

Torsten, desculpe, mas discordo inteiramente de você. O próprio item b do link que vc enviou e que se propõe a defender e explicar a decisão do CNE recomenda "não selecionando obras clássicas ou contemporâneas com tal teor". Ou seja, para eles o MEC não deveria adotar tal obra, mas se cometer tal temeridade, existem as recomendações para “minimizar os danos”.
Eu, e imagino que você também, li praticamente tudo o que Monteiro Lobato escreveu para crianças e não consigo ver qualquer influência em minha visão sobre o preconceito ou racismo. Acho que fazer essa relação, além de abrir um antecedente perigoso no que tange à definição do que é bom ou ruim, recomendável ou não, por uma única entidade, é meio parecido com culpar os games pela violência: no mínimo inocente.
A obra tem componentes racistas, mas essa não é a temática e nem o ponto central da mesma. Esquecer o resto para debater este ponto me parece reducionista. É como mudar o “atirei o pau no gato” por “não atire o pau no gato”, é descaracterizar a visão de uma época e, sim, é revisionismo (note que no meu texto não usei a palavra censura).
Desculpe, amigo, mas recomendar a não adoção de uma obra deste porte me parece miopia por parte de um órgão que deveria estimular a cultura e o debate e não a pasteurização do pensamento e da realidade.

redatozim disse...

Meu medo é que outros critérios serão usados para definir o que é recomendável ou não, Humberto.

Anna disse...

Não vão censurar a Bíblia, não? Abaixo o machismo, uai!

redatozim disse...

Não duvide, Anna.

Torsten disse...

Opa, voltei tarde. Certamente eu não acho que se deva proibir a obra, só acho que a imprensa em geral interpretou mal a intenção do CNE, mas posso estar enganado.

Eu já tinha me esquecido do quando é bom o Monteiro Lobato até começar a ler Narizinho pra elas. Claro que o tema não é o racismo, mas precisa explicar pra Sophia que "beiçuda" e "crioula" não são jeitos muito educados de se chamar alguém. A Clara mesmo já soltou um "aquela preta ali" outro dia...

Torsten disse...

Esse texto sobre a medida também é muito bacana:

http://www.idelberavelar.com/archives/2010/11/nao_e_sobre_voce_que_devemos_falar_por_ana_maria_goncalves.php

Cito um trecho:

"Mesmo assim, o MEC pede apenas um preparo do educador, uma nota explicativa, uma contextualização. E as pessoas, principalmente as brancas, dizem que não pode, que é um absurdo, um desrespeito com o autor. Desrespeito maior é não se colocar no lugar das crianças negras matriculadas no ensino público médio e fundamental, é não entender que uma nota explicativa que seja, uma palavrinha condenando o que nela causa tanta dor, pode não fazer diferença nenhuma na vida de adultos, brancos, classe média ou alta e crianças matriculadas em escolas particulares; mas fará uma diferença enorme nas vidas de quem nem é levado em conta quando se decide sobre o que pode ou não pode ferir seus sentimentos."

Juliana Sampaio disse...

Eu discordo totalmente, e ia justamente colar o maravilhoso texto da Ana aqui, mas o Torsten chegou primeiro. Ela foi tão perfeita, que não tenho mais o que acrescentar a respeito.

redatozim disse...

Para você ver como são as coisas, Ju, eu achei o texto dela legalzinho, mas manipulador e preconceituoso quando ela coloca a opinião contrária na boca das pessoas brancas e de classe média alta. É tentar desqualificar uma opinião baseada em classe e raça, como fizeram com o "quem vota na Dilma é só pobre e nordestino".

Concordo com a orientação, mas recomendar a não utilização da obra (que é o que está no texto deles) me parece de um revisionismo doloroso.

Enfim, discordamos em mais uma.

Juliana Sampaio disse...

Mas, Maurilo, ela não "coloca na boca" de pessoas brancas e de classe média essa opinião. Essas opiniões são públicas e têm assinatura, não foi ela quem disse que essas pessoas são brancas e de classe média, basta olhar a lista de quem se manifestou publicamente contra a recomendação da Nilma Lino Gomes (ela, sim, negra e especialista em identidade negra e questões de raça): Hélio Bicudo, Ophir Cavalcanti (da OAB), Marco Antônio Villa, Ana Maria Machado, Lygia Bojunga, D. Evaristo Arns, etc, etc. Que eu saiba, nenhum deles foi uma criança negra e pobre.. ;-)
Então mais uma vez a opinião de quem sentiu na pele o quanto isso dói ou não vai ser desconsiderada?!
Não era aquele velho imperador Justiniano que dizia que "quem determina a gravidade da ofensa é o ofendido"? Pensa aí.
PS: Sério que você achou o texto só "legalzinho"?! Nossa, o texto é um primor na clareza da argumentação e maravilhoso na forma, digno de uma autora premiada com o "Casa de Las Américas". Cê pode até não endossar, mas reconhece aí o valor do texto da Ana, vai..
(Enfim, seguimos discordando, sim. Brigando, jamais. Beijo.)

redatozim disse...

Ju, ela diz claramente e eu cito: "e as pessoas, principalmente as brancas, dizem que não pode, que é um absurdo, um desrespeito com o autor."

Ela tenta, sim, desqualificar uma opinião usando a cartada racial.
Quer dizer então que só os negros poderiam opinar? É tolo isso, o assunto diz respeito a toda a comunidade. É como dizer que só quem teve parentes assassinados pode debater a pena de morte para assassinos.

Para mim, um texto pode ser extremamente bem escrito e não ser um primor de conteúdo. Maravilhoso na forma? Posso concordar, mas como opinião, legalzinho.

Agora, sinceramente, achei legalzinho porque ela trata a recomendação de não utilização da obra (que está no corpo do texto do CNE) como se fosse apenas um pedido para adicionar notinha.

Não é. É muito mais sério do que isso. Acho ótimo que o tema seja debatido (não apenas pelos "ofendidos"), mas por todos.

Ah, e é sempre bom "discordar" de você, Ju. Sempre me faz pensar antes de continuar discordando ou não rsrsrsrs.

Beijo.

danny falabella disse...

muito complicado isso. o mundo politicamente correto é politicamente escroto. estamos indo pra um caminho perigoso. tudo ofende, tudo é errado. eu me revoltei qdo quiseram enfiar goela abaixo da minha filha o boi do piauí ao invés do boi da cara preta entre outros atentados ao nosso folclore. o que eu acho disso tudo? um acinte!

redatozim disse...

Poxa, torsten, fui conversar com a Ju e esqueci de você rsrsr

Olha só, essa orientação quanto a preconceito é básica. É da relaçnao professor aluno, pai e filho. Não é a obra que vai estimular isso. Ou vai dizer que você não repreenderia a Clara pelo "aquela preta ali" mesmo que não existissem as caçadas de Pedrinho?

Enfim, acho que a intenção do CNE foi boa, mas que eles colocaram no corpo do texto as coisas de uma forma bem menos "sensível" do que pretendiam e agora precisam perder tempo explicando o ponto de vista.

redatozim disse...

Os exemplos se acumulam, danny e dá medo dos rumos que isso tudo vai tomar.